Narciso (agora)


Ela desceu pra fumar, encontrou-o ali, sempre na mesma posição, sempre com o mesmo sorriso no rosto. Pegou seu cigarro, há muito estava lhe devendo um maço por todos roubados, começaram a conversar, ela sempre com seus monólogos quase intermináveis, nem pausa pra respirar nem nada. Tá vendo aquele avião? – apontou para o céu, quase não dava pra ver, dia nublado, quase de um cinza tão escuro que parecia noite – queria estar lá dentro pedindo para a aeromoça um copo de qualquer coisa alcoólica, eles sempre me negaram acham que eu tenho cara de menor, porra cara, eu tenho cara de menor? Faz 5 anos que eu fumo e ainda continuo com essa maldita cara de quem não envelheceu, ta ta, não me olha assim, eu sei que sou muito nova ainda. Ficou fitando o por alguns segundos, gostava de ficar ali com ele, queria era parar de falar e subir naquele avião com ele, mas não podia. Ele começa a falar sobre qualquer coisa, do tipo como foi seu fim de semana, ou aquele dia no bar, ela corta, ela sempre corta pra falar alguma coisa dramática – sabia que você foi o único cara com que eu transei desde que a gente começou a... - a palavra não vinha, é claro que vinha, mas não havia nada ali – não é pra me declarar nem nada, é só pra ficar esclarecido que se eu engravidar, o filho só pode ser seu. Ele deu risada, fez aquela cara de sempre, deve ter comentado alguma coisa, não importa, queria que ele entendesse o que acontecera nos últimos dias, não queria falar sobre isso, não queria deixar as coisas explicitas, nem se magoar mais, sabia que aquilo não poderia ter um final feliz, quando deu certo pros dois? Estava esperando amanha quando combinaram de jogar squash, e quando ele a deixasse em casa, falaria tudo, tudo mesmo, mas nunca ouviria a resposta, era assim que gostava de viver, imaginava as respostas, era melhor essa felicidade momentânea, era melhor do que as poucas palavras que poderiam destruir tudo.

“Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las. Não que fossem muito jovens, incultos demais ou mesmo um pouco burros. Mas as diferenças entre eles não se limitavam a esse tempo, a essas letras.“

Comentários

Postagens mais visitadas