Narciso (outrora)
A testa franzida, os olhos semicerrados, a boca endurecida com o tempo, parecia tudo muito vago, parecia tudo muito esquecido. Não se pensava mais daquele jeito, eles diziam sempre que era tudo muito ultrapassado, que não se poderia viver mais isso, mas só sair na rua e as calças pantalonas estão ali, o chapéu Panama na cabeça de um jovem, porque diziam que não se poderia viver mais isso, diziam a dois anos atrás que aquilo era brega, hoje é moda. Estava quase a beira de desmanchar todas suas teorias e crenças, não sabia o que era verdade. Diziam que budismo estava na moda, como poderia, lembro de terem entrado nesse templo e achado um dos mais bonitos, pois é, a arte oriental também está na moda, nem sabe o que significam o kanji, chamam de letrinhas. Sabiam que já tinham comemorado alguma coisa, olhavam pro céu, nunca mais viram desenhos nas nuvens, nunca mais olharam pro céu com os olhos de criança. Nunca mais foram os mesmos.
“Restava acender outro cigarro, e foi o que fez. No momento de dar a primeira tragada, apoiou a face na mão e, sem querer, esticou a pele sob o olho direito. Melhor assim, muito melhor. Sem aquele ar desabado de cansaço indisfarçável de mulher sozinha com quase quarenta anos, mastigou sem pausa e sem piedade. Com os dedos da mão esquerda, esticou também a pele debaixo de outro olho. Não, nem tanto, que assim parece japonesa. Uma japa, uma gueixa, isso é que fui. A putinha submissa a coreografar jantares à luz de velas. — Glenn Miller ou Charles Aznavour? —, vertendo trêfegos os sais - camomila ou alfazema? — na sua água da banheira, preparando uísques - uma ou duas pedras hoje, meu bem?”
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